«Ocasião é oportuna para uma negociação política» em Cabinda
Lisboa - D. Duarte de Bragança considera que o actual momento é «oportuno»
para uma negociação política entre Cabinda e Angola, «em termos aceitáveis para
ambas as partes». Em entrevista ao Ibinda.com, o chefe da Casa Real, que
visitou o enclave na década de 70, mostrou-se disposto a continuar a luta pelos
direitos do povo cabinda, tal como fez em Timor-Leste, e classificou como «um
passo fundamental» a recente fusão da FLEC/FAC e da FLEC Renovada e a criação
do Fórum para o Diálogo.
«No caso de Cabinda o silêncio é em grande parte devido a interesses
económicos e políticos. Mas estes podem mudar e a situação actual pode vir a
ser muito perigosa para Angola, considerando que há poderosos países em África
que estão muito preocupados com a grande influência militar angolana na
região», declarou D. Duarte. Por isso, considera que «a ocasião é oportuna para
uma negociação política em termos aceitáveis para ambas as partes».
Questionado se após ter sido «embaixador» da questão de Timor pretende ter o
mesmo compromisso e projecto com a questão de Cabinda, D. Duarte de Bragança
respondeu: «Desde 1969 que venho lutando para que seja feita justiça aos
cabindas. Considero isso uma obrigação moral do chefe da Casa Real. Dizem as
pessoas ‘politicamente correctas’ que não vale a pena, que é um caso perdido,
etc. Diziam o mesmo do caso de Timor, acham que por pragmatismo se deve aceitar
as situações injustas». Lembrou ainda que «além do mais, até 1991, a União
Soviética tinha uma extraordinária máquina de manipulação da opinião
internacional, e curiosamente essa máquina continua em parte a funcionar,
talvez em ‘roda livre’, talvez financiada por outros. Há movimentos de
libertação ‘bons’ e ‘maus’, até há ‘bons terroristas’».
Em diversas ocasiões, D. Duarte de Bragança apresentou a sugestão de Angola
assumir os compromissos estabelecidos no Tratado de Simulambuco, provocando
várias reacções de algumas personalidades que a consideram inaplicável. «Por
todos os motivos expostos e por considerar urgente terminar com os sofrimentos
do povo de Cabinda acho que a ‘paz possível’ será esta. Mas admito que muita
gente de Cabinda discorde da minha proposta, sobretudo os exilados, sempre mais
exigentes do que quem vive pessoalmente as agruras da guerra. Esta situação sucedeu
em muitos casos semelhantes».
«A actual situação política é totalmente desfavorável a qualquer movimento
independentista em todo o mundo. Por isso eu defendo uma solução viável que
possa ser aceite por Angola e pelos cabindas nestas circunstâncias», deixou
claro D. Duarte de Bragança.
Quanto à recente fusão da FLEC/FAC e a FLEC Renovada e à criação do Fórum para
o diálogo, que contou com apoio do vigário geral de Cabinda e outros membros do
clero, além da sociedade civil, o duque de Bragança considera ter sido dado «um
passo fundamental», que já deveria ter acontecido há muito. «É um passo
fundamental. Não consigo compreender porque demorou tantos anos. A situação
anterior era inadmissível e escandalosa», sublinhou.
A questão da independência e do direito à autodeterminação do povo de Cabinda é
outro assunto que D. Duarte de Bragança não esquece. «Segundo a Carta das
Nações Unidas e o Direito Internacional não se pode negar a nenhum povo o seu
direito à autodeterminação. Nenhum dos territórios portugueses em África e
Timor puderam exercer esse direito no momento em que acederam à independência»,
recordou o chefe da Casa Real. «Ninguém lhes perguntou se quereriam ser Estados
Associados, ou Confederados, a Portugal, por exemplo, porque o que se tratou era
de satisfazer os interesses dos imperialismos ideológicos e políticos da época,
aos quais os nossos revolucionários de 1974 se encontravam enfeudados. Ora,
Cabinda constitui um povo com um território e uma História própria», salientou
ainda.
D. Duarte de Bragança conheceu Cabinda nos anos 70, altura em participou nas
comemorações do Tratado de Simulambuco. «Fiquei muito impressionado com o nível
cultural das pessoas que encontrei, mesmo gente simples do Maiombe tinha
conhecimentos de História muito interessantes e a cultura do povo tinha uma
qualidade superior ao que geralmente se encontra nos mesmos grupos sociais na
Europa ou em África. As mulheres vestiam-se com muita elegância, a arquitectura
rural era de qualidade, e vi loiça da Companhia das Índias pendurada nas
paredes de casas de madeira no interior, trazidas por antepassados que foram ao
Oriente como marinheiros e comerciantes nas naus portuguesas», contou ao
Ibinda.com.
«Os jornalistas que me entrevistaram para a rádio perguntaram-me se eu achava
que o Tratado de Simulambuco estava a ser respeitado pelo Governo, ao que eu
dei a minha opinião de que não estava. Mais tarde fui criticado pelo director
da DGS por dizer isso, e pelo governador, embora eles estivessem de acordo, em
privado, com a minha opinião», relatou o duque de Bragança.
Segundo o chefe da Casa Real, «o general Themudo Barata, governador em 1974, o
general Oliveira e Sousa, o coronel Herculano de Carvalho (director da rádio
Voz de Angola), e muitos outros militares e políticos achavam que o Tratado
deveria ser aplicado integralmente, por ser justo e por ser politicamente
conveniente. Infelizmente, em Lisboa vencia a cobardia política ou a traição,
como se viu mais tarde».
Na opinião de D. Duarte, que foi embaixador da questão timorense, os Governos
preferem muitas ignorar os problemas que possam ser nocivos aos interesses
económicos. «Sempre defendi que a situação era muito semelhante, pois que a
maioria dos Governos preferem ignorar os problemas incómodos que possam
prejudicar os seus interesses económicos. Do ponto de vista jurídico são
situações diferentes, é claro. A semelhança existe é com o caso do Ruanda e do
Burundi, que eram protectorados belgas administrados a partir de Leopoldville,
capital do Congo Belga, mas que receberam independências separadas para
respeitarem os direitos históricos dos seus povos», explicou.
«Em Portugal, em 1975, poucos estariam interessados em direitos dos povos. O
programa do Movimento das Forças Armadas prometia consultas democráticas para
decidir o futuro, mas os agentes da União Soviética e os ‘imbecis úteis’ (na
terminologia soviética), encarregaram-se de cumprir os objectivos traçados.
Isto foi o verdadeiro ‘25 de Abril, o resto foi poesia», afirmou.
D. Duarte de Bragança dirigiu ainda uma mensagem ao povo de Cabinda: «Os
portugueses não vos esqueceram. Vós tendes que continuar unidos e procurar uma
solução justa e possível para o vosso povo».
(c) PNN Portuguese News Network
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