Gonçalo Ribeiro Telles. “As minhas obras mais importantes são as que não são cumpridas” (Jornal I)















O prémio máximo da arquitectura paisagista, o Jellicoe, foi-lhe atribuído ontem pelo seu impacto duradouro na sociedade e no ambiente.




A caminho dos 91 anos, a batalha mantém-se. "O território é para as pessoas", insiste Gonçalo Ribeiro Telles, ontem distinguido com o Nobel da arquitectura paisagista, o Prémio Sir Geoffrey Jellicoe, atribuído pela Federação Internacional dos Arquitectos Paisagistas (IFLA) no seu 50.o congresso, realizado em Auckland, na Nova Zelândia.

Foi uma distinção aguardada ou foi apanhado de surpresa?

De surpresa não fui, porque já sabia há dias, mas de certo modo é sempre uma surpresa.

Uma surpresa que terá mais impacto pessoal ou no país?

Parece-me que para o país é que este prémio é importante. Não fiz mais do que a minha obrigação como arquitecto paisagista, julgando que certas coisas que eu sabia e que desenvolvia estavam certas.

Muitas vezes consideradas utopias, como já disse?

E que continuam a ser consideradas utopias. É muito difícil contrariar determinados conceitos e interesses.

Quais as maiores resistências à concretização dessas utopias?

É principalmente uma visão mercantilista do planeamento urbano e do planeamento em geral. Ao mesmo tempo, o prémio vem contrariar esta visão mantida por muitos responsáveis.

Um prémio que só poderia vir de fora?

Gostava que pensassem bem porque é que me foi atribuído este prémio, principalmente os responsáveis pelo território.

Quais são os principais ingredientes desta sua militância, nem sempre entendidos pelos responsáveis?

O território é para pessoas. Não é para interesses. Os interesses deveriam ser os das pessoas, numa perspectiva até de cultura. Acontece que os tais argumentos mercantilistas se sobrepõem ao interesse do desenvolvimento cultural de um país e de uma sociedade.

Menosprezando o potencial inesgotável do território?

O pior é que, muitas vezes, no que diz respeito ao património vivo, como a nossa agricultura, pode esgotar-se. O problema do país em termos de ocupação do território é muito grave. Há uma inconsciência generalizada em muitos decisores.

A título pessoal, que pode cada um de nós fazer com o nosso olhar amador?

Para melhorar é preciso conhecer o que temos e não julgar que o que temos é um somatório de poços de dinheiro.

Do seu curriculum, que obras destaca como decisivas neste conhecimento?

Todas as que não são cumpridas [risos]. Como a reserva agrícola nacional, a reserva ecológica nacional, o planeamento biofísico do território... Há um rol de excepções, evidentemente, mas tenho muita dificuldade em ser entendido por muitos responsáveis.

Surpreende-o que a incompreensão prevaleça depois de todos estes anos?

Talvez este prémio que vem de fora possa dar um empurrão mais eficaz. É um reconhecimento generalizado.

Descrevem-no como um clássico. A continuidade é a semente da modernidade?

É um problema de continuidade cultural, sim. Nunca essa continuidade se pode fazer à custa da cultura. Para a termos, temos de respeitar essa continuidade, que várias gerações vão recriando. Há um desconhecimento total do país. Temos uma paisagem muito variada de norte a sul que tenta ser uniforme. Não há biodiversidade nenhuma quando não há especificidade.

No seu discurso, lido em Auckland por Miguel Braula Reis, presidente da APAP, apelou às memórias. Este seu zelo fá-lo recuar até onde?

Vem da escola, da universidade, dos professores que tive, e vem também do que tentei conhecer em Portugal e no mundo. O conhecimento que tive de situações paralelas à nossa noutros países trouxe--me a possibilidade de conhecer o nosso. Não sou caso único. Tive bons treinadores, como se diz no futebol.

Ponderou ir à Nova Zelândia?

À Nova Zelândia gostava muito de ir, mas custava-me. Ainda tentei. O meu colega trará o que for necessário para nosso conhecimento do que se passa no mundo.

Continua activo?

Sempre que posso. Já não é bem o projecto, mas o plano. Já tenho alguma dificuldade em resolver problemas pontuais, mas posso continuar a pensar na globalidade e na evolução das coisas. Por isso me vejo aflito com determinadas políticas que se passam no país em relação ao território.

Que atravessam todas as cores?

Independentemente da cor, claro. Os erros que se fazem, no país, no uso do território são multicolores politicamente. Basta ver a expansão urbana indiscriminada que se faz.

Tem esperança de assistir a uma mudança de rumo?

Esperança, tenho sempre. Estava bem arranjado se não tivesse esperança.


Por Maria Ramos Silva, publicado em 11 Abr 2013


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